quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Não me trates por doutor

Um amigo, que trabalhava num escritório de advogados, contou que, nas partidas de futebol da empresa, todos se tratavam por sôtor. Qualquer coisa como: "É minha, sôtor. É falta, sôtor." Mais absurdo que usar um título durante uma peladinha era os advogados mais novos terem de ficar no escritório até tarde, mesmo tendo acabado o trabalho, porque os chefes chegavam tarde do almoço e prolongavam a jornada. Horas sem fazer nada, apenas por medo ao sôtor. Em Portugal há um formalismo armado aos cágados que, mais que respeito, revela a nossa apetência por escolher o acessório em vez do fundamental, que importa mais parecer do que ser, que um título vale tanto no processo de exibição como o carro de luxo. Durante anos democratizou-se o ensino superior - algo a celebrar, especialmente após décadas de ignorância, rigidez social e esmagamento da iniciativa individual. É mais que legítimo que o filho de um pedreiro aspire a ser advogado. Mas escolhemos mal as prioridades. E as licenciaturas (tantas vezes de péssima qualidade), em vez de serem uma ferramenta de desenvolvimento, são um fim: ter um diploma, cheques com o título "doutor" e a certeza de contar com um emprego no cu da galinha. Vale mais um advogado que um canalizador? Somos um país onde parecer é mais importante que fazer, onde os advogados ficam até tarde no escritório - mais por deferência medieval do que para aumentar a produtividade. O hábito do sôtor é a prova de que este país, mesmo à beira da ruína, prefere naufragar de fato e gravata a salvar-se de fato-macaco.

in http://www.ionline.pt/conteudo/127630-nao-me-trates-doutor

2 comentários:

  1. Está Setôr! Como o setôr deseja!


    ResponderEliminar
  2. My grasp of the Portuguese language is limited and the translation tools that I have available are also limited in scope – and so I hope that I have grasped the meaning of this posting correctly!
    In my country just as in Portugal those who currently have a ‘good’ job look down on those who perform more menial tasks. Here many of the ‘top’ jobs are acquired not so much by what you know as who you know.
    It is expected that everyone should have at least a basic degree in some subject no matter how trivial that subject is – but this actually dilutes that value of having a degree. In the Gilbert and Sullivan operetta ‘The Gondoliers’ there is a line that goes something like “when everybody is SOMEBODY then no one’s ANYBODY” and we are certainly heading in that direction.
    So I agree that having a job obtained with shoddy degree if far less worthy than a career forged through hard work and application.
    However, we should certainly not belittle the children of bricklayers or carpenters who achieve a worthwhile degree through the democratisation of Higher Education and use that to fulfil their ambitions. I would hope that these children will still understand the value of overalls and so when the time comes – and it is surely fast approaching – those in the suits who could not bear to get their hands dirty will perish but the children of the bricklayer or carpenter, knowing the value of these more menial tasks will flourish.

    The man in the overall 17.10.2011

    ResponderEliminar