terça-feira, 7 de abril de 2009

Imaginem...

Estão deitados numa cama porque não se podem levantar... não conseguem... não têm força nos braços ou pernas...

Alguém chega, pega em vocês e coloca-vos de lado na cama, virados para uma parede pálida.

Ficam a olhar para a parede pálida 3 horas.

Não conseguem mexer o pescoço, porque não têm força, não podem por mais que queiram.

É noite... na enfermaria entram e saem pessoas constantemente. Falam, monossílabos, com toda a gente... e vocês não podem chamar ninguém, porque não conseguem falar...

E ficam 3 horas seguidas a olhar para a parede vazia...

Não têm sono... desesperam porque já não sabem que pensar, porque já estão fartos de olhar para a parede, porque ninguém fala com vocês, porque já vos dói os joelhos de estarem naquela posição, porque os calcanhares não foram bem elevados e estão a fazer pressão no colchão. É dor... e vocês não conseguem dizer que dói...

Quem vos posicionou não colocou nenhuma almofada entre os joelho... um joelho com o outro (osso com osso) provoca dor... pressão constante... 3 horas! Têm comichão num olho... não conseguem mexer o braço porque não têm força... e sentem a comichão... 3 horas.

Depois das 3 horas alguém vem para vos mudar de posição (tem de ser por causa das úlceras de pressão). Sim, porque é importante para as estatísticas do serviço ter baixa percentagem de úlceras de pressão. E isto demonstra excelente cuidados…!

Ficam de "barriga para cima". Estão 3 horas a ver o tecto... as luzes, quando se acendem... mais 3 horas assim... com o passar das horas já dói as costas, os calcanhares, “o rabo”... mantêm-se a comichão, agora no nariz e não conseguem anular isso.

Mais 3 horas passam... estão virados para a porta... vêem finalmente as pessoas. As que estão no quarto, os profissionais... o tempo talvez passe mais depressa. Talvez...

Isto é o que imagino que possa sentir alguém completamente dependente, que não se consegue mexer. No meu serviço, 25% dos doentes são assim... imaginam!?

Imaginemos como cada um se sentiria neste ritual. Cada um vive as situações de forma única e pessoal.

E agora pensam: "Então, se achas que os teus doentinhos se sentem assim, porque não os mudas mais vezes, porque não falas mais com eles?"

E foi assim uma noite… entre muitas…

2 comentários:

  1. Gostei.
    Imensa sensibilidade humana para com a dor de quem nem sequer se pode queixar.
    E quando unimos competência profissional e grandeza humana quem sai a ganhar é o doente.
    Parabéns!
    M.

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  2. Muito obrigado pela visita a este blog.
    É por essa competência profissional que tento promover. já a grandeza humana... essa é muito intrínseca à natureza e cultura de cada um.
    boa continuação!
    Divirta-se cá...

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